As lesões oculares descritas nesse trabalho foram observadas por mim pela primeira vez na temporada de cria de 1999, em Carazinho, norte do Rio Grande do Sul, mas outros criadores, de várias regiões do país, relataram ocorrências do mesmo caso, nesse e em outros anos.
Para evitar conclusões precipitadas, foram realizados vários exames laboratoriais e documentação fotográfica, que acompanham essa matéria.
A parte técnica foi orientada e fundamentada pelo Médico Veterinário Dauri Jorge Varaschin, criador e presidente da Sociedade Ornitológica do Planalto, que tem dirigido sua atenção para as enfermidades envolvendo canários, com grande êxito.
Essa lesão ocular ocorre no globo ocular de filhotes, entre 3 e 8 dias de vida e caracteriza-se por um endurecimento da secreção, assemelhando-se a um grão de painço, dentro da pálpebra, de coloração amarelada, causado por staphylococcus aureus. Sempre ocorre antes da abertura dos olhos, retardando-a.
A forma de contaminação não está perfeitamente determinada, pois os casos podem ocorrer de modo isolado, dentro da mesma peça de criação e em criadouros não relacionados. Porém, nas gaiolas dos casais onde já apareceram casos, a reincidência é maior.
O contato entre os afetados parece ser a causa mais provável, pois a enxertia de filhotes de outros ninhos aumenta a disseminação.
A idéia de relação com hipervitaminose nos pássaros carotenados foi definitivamente afastada pelo aparecimento homogêneo em plantéis com e sem fator vermelho. Possui características de infecção secundária.
Ocasiona um aumento da mortalidade dos filhotes, podendo chegar a 8 – 10% dos nascidos. A doença pode ocorrer isoladamente na mesma ninhada, com filhotes sadios desenvolvendo-se perfeitamente entre os afetados. A mortalidade dá-se pelo fato de que, com o surgimento da lesão, esses enfraquecem e não são alimentados de modo adequado pelos pais, morrendo por inanição. A natureza estabelece um controle eficaz.
Os pássaros que sobrevivem, não tratados a tempo, apresentam lesão irreversível de retina, ficando cegos e lacrimejando continuamente, tornando impraticável a sua utilização no plantel.
Esse germe encontra-se disperso em qualquer ambiente, com uma convivência pacífica com os indivíduos e os ataques ocorrem quando há um desequilíbrio, causado por diminuição na resistência orgânica. Vários fatores externos contribuem, como a superlotação, a má aeração do ambiente e manejo incorreto. Qualquer mudança na qualidade da alimentação também traz reflexos imediatos.
Não há, entratanto, na literatura especializada, descrição de lesão conjuntiva causada por essa bactéria, com essas características, mesmo em outras espécies animais.
Resultados dos Exames
Os exames, realizados pacientemente pela farmacêutica- bioquímica Elisete Cioccari, do Laboratório Cirus Ltda., isolaram o germe staphylococcus aureus, em cultura pura, sem presença de germes secundários. No antibiograma, a bactéria apresentou sensibilidade aos medicamentos Amicacina, Cefalotina, Ciprofloxacina, Gentamicina, Netilmicina Nitrofurantoína, Tetraciclina e Tobramicina e resistência para os Ácidos Nalixídico e Pipemídico, para Ampicilina, Aztreonam, Cefotaxima, Cefoxitina, Cloranfenicol, Imipenem, Norfloxacin e Sulfazotrin.
Tratamentos
De início, tentou-se um tratamento para os filhotes infestados, de modo curativo, com colírios, mas de pouco êxito, devido à dificuldade de tratamento de uma lesão interna. A regressão só foi conseguida nos casos tratados no primeiro dia do aparecimento, quando nota-se um pequeno ponto amarelado no centro do olho, através da pálpebra. Não confundir com a linha da abertura da pálpebra. A lesão é mais difusa, circular, e não linear. O medicamento utilizado foi uma pomada oftálmica, de uso humano, à base de cloridrato de oxitetraciclina e polimixina b, barata e facilmente encontrada em qualquer farmácia, aplicada após limpeza do local. Alguns filhotes, tratados nesse ponto, curaram-se totalmente.
O mais indicado no início do aparecimento no criadouro, segundo criadores que convivem há mais tempo com a doença, é a eliminação total dos filhotes afetados, com pulverização dos pais, ninhos, ovos, filhotes e instalações com desinfetante de amplo alcance. Normalmente, feito isso, não aparecem novos casos.
Bons resultados tem sido alcançados com o produto VIRKON, de fabricação inglesa, e que, segundo testes, não apresentou nenhuma toxidade aparente. No mercado nacional, existem vários produtos excelentes e de bom alcance, como o QUILOL L e o LAVI-FEN.
Segundo Dauri Varaschin, essas desinfecções gerais não devem ser feitas de modo constante, para não afetar a resistência dos indivíduos pela ausência de contato com os germes. Ainda, explica que medidas drásticas somente devem ocorrer quando houver quadros agravados, para promover uma baixa rápida na população do patógeno, possibilitando o reequilíbrio ambiental. De maneira geral, uma boa profilaxia constante do criadouro manterá os níveis estáveis, podendo os animais conviverem de modo harmônico com o ambiente.
No caso de surtos dessa doença, pode ser feito tratamento preventivo/curativo, antes e durante a temporada de cria, com medicamento à base de clavulanato de potássio e amoxicilina, antibiótico para uso humano, na dosagem de 250 mg do princípio ativo (um frasco) para 4 kg de farinhada seca, durante 7-8 dias, com intervalo de 40 a 50 dias. Também pode ser utilizado na papa dos filhotes de ninho, na mesma proporção.
Os criadores devem ser alertados para que não utilizem-se de medicamentos sem necessidade premente, para evitar resistência bacteriana, o que reduzirá ou até anulará o seu efeito, quando necessário.
Acompanhei a utilização dos desinfetantes QUILOL L, na dosagem de 5 ml/litro, e VIRKON, na proporção de 5g/litro, pulverizado em todo o ambiente e nos animais (adultos, filhotes e ovos), além do medicamento descrito acima, e os casos não se repetiram após o início do tratamento. Uma ótima aeração do ambiente é imprescindível, principalmente nas regiões e épocas mais frias.
Conclusão
A conclusão que chega-se é que a utilização massiva de antibióticos sem necessidade urgente, aliado ao trânsito indiscriminado de pássaros reprodutores, tem propiciado o surgimento de novas patologias, e que o melhor tratamento ainda é alimentação com qualidade, manejo adequado e observação diária e criteriosa do plantel, em ambientes equilibrados.
Infelizmente, o uso não criterioso de medicamentos nos nossos plantéis tem anulado o efeito de produtos que poderiam ser nossos grandes aliados. A prática negativa de “medicar” pássaros e farinhadas com o primeiro produto que aparecer ainda é freqüente. O bom senso e a orientação de criadores com formação técnica e profissionais da área ainda são insubstituíveis.
Agradecimentos
Agradecimentos especiais aos criadores Antônio Celso Ramalho, Álvaro Blasina, Arnaldo Araújo, João Basile e Renato Löf, pela troca de informações, através de conversas e e-mails, ao amigo e Médico Veterinário Dauri Jorge Varaschin e à Farmacêutica-Bioquímica Elisete Cioccari, pela dedicação e paciência.
Autor: Paulo Cesar Löf